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O SONHO

 

 

Não sou nada. 1

Álvaro de Campos

 

 

Este trecho do poema de Álvaro de Campos reflete o que é atualmente a profissão de arquiteto jovem. O medo da tela em branco pode ser constrangedor ou limitador. No entanto, transformando-o num ato positivo elevamos a tela branca num inicio profissional livre, não condicionado. Assim entra o sonho. A contemporaneidade fala-nos da dificuldade profissional. O sonho mantem vivas a esperança e a realização. Para todo o sonho existe uma base. É neste sentido que entra o discurso de Luis Barragán : «É alarmante que as publicações dedicadas à arquitetura tenham feito desaparecer as palavras, Beleza, Inspiração, Magia, Fascínio, Encantamento bem como os conceitos de Serenidade, Silêncio, Intimidade e Espanto, todos eles têm aninhado na minha alma e embora eu esteja plenamente ciente de que eu não lhes tenha feito justiça completa no meu trabalho, eles nunca deixaram de ser as minhas luzes».2 Esta frase de 1980 torna-se incrivelmente atual, quando assistimos aos discursos arquitetónicos saturados pelas ideias de 'sustentabilidade, tecnologia, renderização, imagem'. A inexistência de uma reflexão crítica amplia estes conceitos. A distorção do que é a produção arquitetónica e a sua reflexão conceptual leva a que conceitos que eram antes relevantes desapareçam. Neste sentido esta conferência traz de novo alguns conceitos como: 'território, paisagem, lugar, espaço, luz, desenho'. Não se trata de uma ideia nostálgica de uma arquitetura perdida, mas do reconhecimento destes conceitos para a ampliação da própria disciplina. A História mostra-nos como estes conceitos foram se restruturando mas sempre existindo. É a partir desta disciplina que melhor se observa esta reflexão. A introdução da era digital parece ter apagado a arquitetura da ideia espacial que lhe compete. A imagem transformou-se na grande produtora de qualidade arquitetónica. O conceito de tempo parece também ter-se perdido. A arquitetura pede tempo e a contemporaneidade não lhe dá. A resposta imediata torna a arquitetura num objeto do presente sem conteúdo e vazio de contexto. Aqui questiona-se a ideia de ser 'arquiteto do seu tempo' ou de 'arquitetura intemporal'. O arquiteto Ricardo Carvalho fala-nos da ideia de lugar como a «experiência fundadora da nossa vida quotidiana e [que] não devemos abdicar dessa riqueza»3 . Evidenciando este pensamento, surgem os desertos. O deserto não entendido como lugar não ocupado, mas como abordagem crítica à ideia de lugar. Estes desertos refletem a necessidade de uma reflexão mais aprofundada entre lugar e arquitetura, bem como arquitetura e cultura. A deambulação por algumas obras contemporâneas evidenciam os desertos. O que cabe então ao arquiteto jovem? Ao arquiteto jovem cabe a maturidade da dúvida. Ao arquiteto jovem cabe a maturidade da crítica. Ao arquiteto jovem cabe a maturidade de saber olhar. Ao arquiteto jovem cabe a necessidade urgente da disciplina. Ao arquiteto jovem cabe a imaturidade do sonho.

 

 

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1 CAMPOS, Alvaro de - «A Tabacaria» Lisboa: Guerra&Paz, 2006 2 BARRAGAN, Luis - «Discurso de Aceitação do Prémio Pritzker», 1980 3 CARVALHO, Ricardo - Conferência «Todos os Lugares - o banal e o singular», Lisboa: Culturgest 7 de Janeiro de 2014 

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